segunda-feira, setembro 28

nós estávamos  rezando baixo
e de repente tudo parou

nós éramos ciclopes míopes
não entendíamos direito o que dizíamos 

um no outro,
olho no olho,
e daí nos confundíamos em digressões amorosas
depois voltávamos para a linha principal.

era tarde,
estávamos na sala.
na sala.

pedíamos desculpa
um pro outro,
olho no olho,
e daí petrificamos aquele momento,
lá na sala.

sexta-feira, setembro 25

Acordaaa!
Ouvi junto junto com a voz do Sinatra.
Achei que fosse apenas uma confusão,
mas era era meu encéfalo.
Que não estava mais aguentando, e decidiu falar.
Falou mesmo.
Sem dó.
O jazz que estava tocando parou,
e parou o som da rua, e o som dos copos,
parou.
Decidi ouvir meu cérebro por alguns tempos.
Daí acendi um cigarro e pedi um bourbon.

queimei meu dedo
e nas cinzas
voltei pro copo.Corpo.

Olhei pro fundo do copo,
e lá estava eu,
na mesa de bar.
vazio.

quinta-feira, setembro 24

saio da madeira
recheado de carbono

não importa quem é o dono
não sirvo pra besteira.
Pra cuspir as idéias

me perguntam tudo
qual a direção do mundo
a insanidade das matérias
ai falo, Eu mudo!

mas não mudo nada.
nada que interesse o povo
só algumas cabeças ímpares.

quarta-feira, setembro 23

Começou desde cedo. Tomei leite em vez do café, pão de forma em vez do francês.
Depois minha mulher me chamou de ''bem'' e me deu um beijo na bochecha.
Meu cabelo estava penteado para trás, e não para o lado.
Sumiu a chave do Fusca.
Fui a pé para o trabalho, que não era dos mais prazerosos e tropecei no primeiro degrau que vi.
Cheguei na minha mesa tinha um livro do Paulo Coelho e uma revista dessas de fofoca bem ridículas.
Se tem uma coisa que eu odeio é quando uma rádio não pega direito e quem está ouvindo não muda pra outra estação. Não me dei ao trabalho de mudar, pois aquela música ficava melhor com os chiados do que sem.Música ruim, bem ruim.
Em casa, à noitinha minha mulher fez omelete de espinafre e suco de cenoura para a janta.
''Não estou com fome, BEM".
Eu queria tudo diferente, tudo como foi ontem.Não no dia de ontem, nos tempos passados.
Era tudo tão bom. Acho que o prazo de validade da cultura acabou. Sobraram alguns produtos de longa data, mas raros de serem achados. E caros.
Foi tudo corroído, multilado.
Queria café e pão com manteiga, amor e beijo na boca, o carro cheio de música a amigos,
Machado de Assis e uma Rolling Stone, um vinil tocando.Um bife acebolado, uma picanha, ou uma macarronada
e uma Coca, ou uma laranjada.
Queria mesmo.
Eu tava lá,
acendi o cigarro, e
queimou
queimo
queim
quei
que
qu
q
E lá eu estava,
ouvindo aquelas notas intocáveis do Sinatra.
Quando foi que apareceu aquele treco na minha janela.

não sei se era a vida, ou morte.
calou a boca do som.

sei, também, que calou minha sorte
e aquele cigarro bom.

sem idéia do que era
fechei a janela
naquela cara torta

seria uma pantera?
um tigre-onça, que dizia, ESTOU MORTA?

q
qu
que
quei
queim
queime
queimei outro.

quinta-feira, setembro 17

Auto-retrato encontrado.

Na verdade, gosto de fazer supermercado pensando no que a outra pessoa gosta, gosto de dar presentes, cozinhar, ficar em casa vendo tevê num sábado quente ou chuvoso e jogar gamão, tranca, buraco, xadrez, par-ou-ímpar, de ver eclipse da janela, a outra se vestir e escolher com elas as roupas, de ser aquele cara que julga se está bom ou não, se ela devia sair de cabelo preso ou solto, de botas ou sandálias, de saia ou vestido, de cinto ou sem, com colar ou sem, com brincos de prata ou ouro, se dá pra ver a marca da calcinha, sou aquele cara que gosta de sentir o mesmo perfume na nuca todos os dias, que gosta de passar xampu no cabelo da mulher, que gosta de passar o dedo nas dobras do braços, da barriga, de enfiar o dedo na boca e orelha dela, de falar besteira durante o sexo, de beber vinho e transar na sala, de dar sorvete na boca ou comer juntos todo o pote de uma vez só, de ficar a noite toda no escuro, sem acender as luzes, ouvindo todas as músicas marcantes da minha vida, de alugar três DVDs e não assistir a nenhum.
E como é bom lavar a louça a quatro mãos, com aquele detergente neutro e a água quente se misturando com o azeite da salada e depois passar a espuma do detergente na cara dela, de nos beijarmos e abraçarmos com a mão toda suja e lambuzada, de ficarmos no colo um do outro na piscina, de nos deitarmos na varanda num dia de calor, de passarmos protetor solar, hidratante, de falsificar a assinatura do outro em boletos, de lermos juntos os resumos que saem nos guias dos jornais, de dividirmos uma pipoca, um chocolate, um biscoito doce ou salgado, um coco na praia, uma água sem gás, uma aspirina, uma maçã, uma perna de carneiro, um pudim de leite, uma vitamina C, a rotina, a cama, a raiva, o encanto, uma piada, um pôr do sol, a escova de dente, uma caneta, um livro, uma angústia, uma dúvida, um sonho, um projeto, uma fofoca, um torpedo, um momento...

domingo, setembro 13

Eu estava olhando
pro velho
tocando.
quando percebi
que o tempo deixa marcas.
O motivo eu já esqueci,
mas na hora estava estampado
naquelas caras
que algo tinha mudado.
Sei lá se era o efeito da música
ou do cigarro-pinga-baseado.
Mudou, sei disso.
Mas não era isso,
que eu ia falar.
O velho a tocar e  o tempo
foi passando
os acordes mudando
e a flauta soando.
Daí eu percebi,
era eu quem estava diferente.
Alguma coisa na minha mente.
E aí bebi, bebi.

sábado, setembro 5

 
morre morre
corre flor
enche a arma do leão

Rua Augusta Revisted

Hi Hi Alfredo
Diriam alguns sábios intérpretes
cansados
opositores
revolucionários
Eu começei a escretar palavras escrotas
e mal cheirosas para tentar me igualar.
Hi Hi Alfredo
Eu diria.
Mas não.
Bato macumba.Batman.
Ê Ê.
Tentei tentei 
acreditei acreditei
Em tudo, até em jezuis.

Bye Bye Johnny.

quarta-feira, setembro 2

[manos]
-Puta merda né, Guina?
-Pô, foi você que mandou, mano.
-Era pra atirar no pé.Porra, Guina. Cê fudeu com tudo.O cara no chão, a criança chorando.Porra.
-Foda-se.Vambora que já que os gambé cola ai.
[gambés]
-Ó lá, Silva. É seu irmão.Porra.
-Porra, Luís.Porra.Ele só tinha 16.
-Eu te avisei que ele tava nas quebrada.
[manos]
-Jão, porra. Nóis matamo o cara.
-Nóis não, fumô pedra mano? VOCÊ matou o cara.
-Pegou o muleque lá?
-Tá no porta mala.Porra, Guina.  A gente vai em cana denovo.
-Cana o caralho. Não tinha ninguém pra caguetá.
-O muleque.
-Ele tem 12, mano.
-Foda-se, com 12 eu tava comendo as mina já.
-Queima ele então, mano.Porra, que barulho é esse mano?
-O muleque batendo lá atrás.Vai se fudê, porra. Matar criança dá inferno, porra.
[gambés]
-Puta que pariu, Luís.
-Ô moço, me ajuda.
-Sai daqui muleque. Pera aí. Ô Silva, Silva. Seu sobrinho aqui.
-Lucas. Cê tava aqui?
-Tio! Foi dois caras, lá do Nossa Senhora. Eu via eles no fliper.
-Como cê sabe?
-Eles me botaro no porta mala mais eu consegui sai aqui perto.
-Pra onde que eles foram? Ô Luís, liga pra ambulância, porra.
-Pra lá tio, pra lá!
-Vai pra casa, Lucas.Avisa sua mãe.
[manos]
-Para ai, véio.Vamo deixa o muleque aqui.
-Porra, Guina.
-Vai logo, mano. Dá a chave.
-Porra, Jão.Porra. Cadê o muleque?Cadê o doido?
-Puta que pariu Guina, cê perdeu o muleque.Tamo fudido, porra.
-Vamo voltar.
-Fumô véio? tá louco?
-Vamo logo porra.
-Puta merda ein, Guina?
[gambés]
-Ó a ambulância ai Luís, ajuda eles lá, porra.
-Porra, Silva, to indo.
-Porra nada, não reclama.
-Porra Luís, ó seu irmão ali.
-Cadê?
-No carro chegando ali.
-Era oque faltava né. Porra, Silva.
[manos]
-Porra, Jão. É meu irmão, mano.
-Puta merda Guina. Desde quando cê tem irmão gambé?Vai se fuder.
-Puta que pariu, porra.
[gambés]
-Porra, Luís.Que isso?
-Acelera, porra.
-Puta merda ein?
-Puta que pariu, Silva. Cê acertou no meu irmão.
-Ahhhhhhhhhhhh.
-Puta merda, matei o Silva.Puta que pariu.
[mano e gambé]
-Porra, Guina. Acorda véio. Porra!Seus filho da puta.Mataro o Guina.
-Qual que é? quem amtou quem? pensa! Você matou ele, seu puto.O Guina era meu irmão, seu merda.
-Puta que pariu.
-Meu irmão, seu viado, me irmãã...Ahhhhhhhhhhhhhhhhh!.
[mano]
-Puta que pariu, mano.Já era.Tem mais uma bala.