quarta-feira, setembro 23

Começou desde cedo. Tomei leite em vez do café, pão de forma em vez do francês.
Depois minha mulher me chamou de ''bem'' e me deu um beijo na bochecha.
Meu cabelo estava penteado para trás, e não para o lado.
Sumiu a chave do Fusca.
Fui a pé para o trabalho, que não era dos mais prazerosos e tropecei no primeiro degrau que vi.
Cheguei na minha mesa tinha um livro do Paulo Coelho e uma revista dessas de fofoca bem ridículas.
Se tem uma coisa que eu odeio é quando uma rádio não pega direito e quem está ouvindo não muda pra outra estação. Não me dei ao trabalho de mudar, pois aquela música ficava melhor com os chiados do que sem.Música ruim, bem ruim.
Em casa, à noitinha minha mulher fez omelete de espinafre e suco de cenoura para a janta.
''Não estou com fome, BEM".
Eu queria tudo diferente, tudo como foi ontem.Não no dia de ontem, nos tempos passados.
Era tudo tão bom. Acho que o prazo de validade da cultura acabou. Sobraram alguns produtos de longa data, mas raros de serem achados. E caros.
Foi tudo corroído, multilado.
Queria café e pão com manteiga, amor e beijo na boca, o carro cheio de música a amigos,
Machado de Assis e uma Rolling Stone, um vinil tocando.Um bife acebolado, uma picanha, ou uma macarronada
e uma Coca, ou uma laranjada.
Queria mesmo.
Eu tava lá,
acendi o cigarro, e
queimou
queimo
queim
quei
que
qu
q
E lá eu estava,
ouvindo aquelas notas intocáveis do Sinatra.
Quando foi que apareceu aquele treco na minha janela.

não sei se era a vida, ou morte.
calou a boca do som.

sei, também, que calou minha sorte
e aquele cigarro bom.

sem idéia do que era
fechei a janela
naquela cara torta

seria uma pantera?
um tigre-onça, que dizia, ESTOU MORTA?

q
qu
que
quei
queim
queime
queimei outro.