domingo, maio 23

sexta noite

acordei com a fogueira
me cutucando a perna com chama
escuramente quente e vermelha, ardia
três ou quatros poetas riam com a cabeça pra cima

sob as notas de um samba malandro
sambando sob o fogo
as palhas
e violões desafinados.

o bigode sobre a percurssão maluca
e sua dona querendo o tirar de lá, do vinho.

mulheres bêbadas grintam por nomes estranhos
e a camionete se enche de loucos.

solte seu cabelo

desenho  flores
azuis e grandes
com as letras
pretas e miúdas

enrolo-as num
pano e te dou
de olhos fechados
de cílios grudados

espero um sorriso
de batom vermelho
remoendo meus óculos
coçando meus sentidos

escrevo uma ou três frases
grandes ou pequenas
retas ou tortas
porém, sinceras até o fundo

amarro-as ao seu cabelo
e te deixo levar
sem perceber
que me leva junto

doente nas palavras
rezando pra você soltá-los
e me sentir
grudado

erre, vê

conto segundos e horas
e letras corridas.
durmo para o tempo terminar
e eu parar de só desejar, e viver

na encenação de pseudônimos franceses
brincamos de ser nossos mestre

cantamos em algum palco por ai.
correndo e saltitando
com sorrisos cravados no canto do lábio
brincando de rimbaud e verlaine

pano azul II

sinto o confortável da pele
pra tatuar no pano minha distância
do desejo
crente no saber do futuro que há de nos vir

senhor das letras

vivo, pois, na alergia de meu surgimento
sugando minhas raízes
até a última folha
na lezera de meu ser, estar ficar.
colhendo insuportáveis sementes
gordurosas
e adultas
na medida do impossível

creio em minhas palavras sujas.
interminando a matinal prisão
prisão colante e saturada
de meus queridos amores
distantes e inalcansáveis

sexta tarde

olhei para trás
oh, meu senhor!
vi terror e sombra.
saindo da flor bela
dos passos e rodas de carrossel.

não não não
não quero não.
desejo, mas me medo.
não o de antes,
contrário àquele.

tenho certeza absurda
muda pra mim.
acorda e muda.
resolve tudo.
tira o peso da minha barriga

p'ota pessoa entrar e chegar
encenando um chá numa sexta à tarde.
quero a chaleira inteira.
preu embriagar minha pançola
ardida e desconfiada.

pinte sua cara de azul

confundo-me agora
com sentimentos tropeçantes
que vieram molhados de longe,
comendo tudo e me amamentando
com o calor e a cor azul
que masturbam meus olhos sombras
chorando na calçada com um ou dois amigos,
rindo e me estupefando com alegria,
que tropeçam na minha cara gorda
pisando e amassando minhas idéias
malditas e sem escrupulos
que me fazem ter medo
muito medo.

eles renascem, no simbolismo de hoje
não tente me matar, por favor, Verlaine!!
escuro da gente
longe, na chuva e fumaça, e cela.
agasalhada de verde.
corra, coelho, corra.
pro chapeleiro.
isso me conforta

temo nós dois
um pouco distantes
mutantes de nós mesmos.