quinta-feira, setembro 17

Auto-retrato encontrado.

Na verdade, gosto de fazer supermercado pensando no que a outra pessoa gosta, gosto de dar presentes, cozinhar, ficar em casa vendo tevê num sábado quente ou chuvoso e jogar gamão, tranca, buraco, xadrez, par-ou-ímpar, de ver eclipse da janela, a outra se vestir e escolher com elas as roupas, de ser aquele cara que julga se está bom ou não, se ela devia sair de cabelo preso ou solto, de botas ou sandálias, de saia ou vestido, de cinto ou sem, com colar ou sem, com brincos de prata ou ouro, se dá pra ver a marca da calcinha, sou aquele cara que gosta de sentir o mesmo perfume na nuca todos os dias, que gosta de passar xampu no cabelo da mulher, que gosta de passar o dedo nas dobras do braços, da barriga, de enfiar o dedo na boca e orelha dela, de falar besteira durante o sexo, de beber vinho e transar na sala, de dar sorvete na boca ou comer juntos todo o pote de uma vez só, de ficar a noite toda no escuro, sem acender as luzes, ouvindo todas as músicas marcantes da minha vida, de alugar três DVDs e não assistir a nenhum.
E como é bom lavar a louça a quatro mãos, com aquele detergente neutro e a água quente se misturando com o azeite da salada e depois passar a espuma do detergente na cara dela, de nos beijarmos e abraçarmos com a mão toda suja e lambuzada, de ficarmos no colo um do outro na piscina, de nos deitarmos na varanda num dia de calor, de passarmos protetor solar, hidratante, de falsificar a assinatura do outro em boletos, de lermos juntos os resumos que saem nos guias dos jornais, de dividirmos uma pipoca, um chocolate, um biscoito doce ou salgado, um coco na praia, uma água sem gás, uma aspirina, uma maçã, uma perna de carneiro, um pudim de leite, uma vitamina C, a rotina, a cama, a raiva, o encanto, uma piada, um pôr do sol, a escova de dente, uma caneta, um livro, uma angústia, uma dúvida, um sonho, um projeto, uma fofoca, um torpedo, um momento...