sexta-feira, junho 18

verlaine

me vejo na platéia
encolhido, de preto sujo.

olhando pro lado, sem prestar
atenção no triste fim.
prestando amor ao começo,
às vontades, ao banco do lado.

sonho com essa fileira e com toda
a acústica do anfiteatro amado
ecoando meus versos pensamentos,
rodopiando pelo palco e dançando em nós.

me vejo,
me vejo,
pousando como ave,
no ensaio sobre o drama prostituto.
querendo pisar em tudo,
e bater minhas asas fortemente.

levanto.
acaba a peça.
e pego a mão,
nossa mão, uma mão.
sem dedos.
um bloco de pele sedenta
balançeando para frente e pro lado,
andamo-nos pelas crateras lunares,
claras e macias.

sento.
sinto a mão quente.

penteio cabelos,
com os dedos,
para fora dos olhos,
fundo narizes, e olhos secos e cegos.

quero ser lua e sol do meio dia, novamente.
por enquanto sou invasor,
rato na parede,
vigiando de longe o agora.
me escondendo quando devo,
me exaltando sem querer
quando dou o bote das letras.
minhas armas roedoras, as letras.
uso-as de bem,
de bom,
querendo bem,
sendo bom.

posto dois ou mais selos,
com desenhos recheados de azul.

esperando crer no futuro que
esperamo-nos.

esperando findar na verdade
do agora
a loucura do que vem ao nosso encontro.
vem como amigo amor.

pensamento aleatório do inexistente Arthur nº 1

     Na seca, abro a azul geladeira, fedida; esquecida pelo supermercado. Procuro a mais gelada água para me molhar a garganta feita seca, pelo conhaque.
     Talvez eu nem lembre de como vim embora, mas sei que lá estavamos ouvindo algum blues setentista, rodeados pela fumaça do ambiente e pela luz baixa. Umas velas na mesa. Porra! Sem água gelada. A do barro me serve melhor do que nada. e meu fígado solta seu bafo em minha boca. Não adianta escovar os dentes por cinco ou seis vezes. Cadê o cigarro? Ahh, esse não acabou. Acendo um e me sento à tevê. Um jogo escroto ilumina minha cara e cabelo bagunçado.
     Hoje é sábado.
     Já que surgem pessoas aqui. Talvez nem sejam desejadas, todas, mas aparecem mesmo assim. Agora é o que? Três da tarde? Talvez. Vejo que o dia estreiou sem mim, e me afundou no sono e ressaca matinal. Acordei trezentas vezes pela manhã com o galo filha da puta gritando na minha janela. Como se quisesse me acordar. Só eu, só eu ouvia. Cóóóóóó... ACORDA!!!!!!! ACORDA ARTHUR.!!!! E ainda por cima era desafinado. Errava suas chulas notas de bico, e engasgava no meio do cocoricojar. Nem isso sabe fazer.
     Creio que lá, antes do galo, da ressaca, do blues, e até mesmo do conhaque, dois cidadãos me convidaram para uma espécie de banda. Aqueles bacanas que você conhece há anos mais nunca lembra o nome, mas se julgam seus brothers. Talvez o Ramirez, ou Sabino. Não sei. Sei que aceitei. Várias vezes pequei dessa maneira, quando olho de soslaio as propostas e quando vejo estou numa garagem ou palco destruído. Pegarei uma cerveja. E nesses palcos, bêbado acabo por terminar as músicas sem emoção alguma. Fico só pairando nas cordas, desatento. Mas sempre tocando em alguma banda de merda.
      Daí me entorpeço infinitamente e caio na risada com dois ou mais amigos.
      Tenho que para de levar essa vida à la Novos Baianos FC... Tirar o pé do teto e por no chão. Firme.
      Outra cerveja, outro cigarro. Outro gol. Puta merda. Que jogo horrendo.
      Quem é?? Quem será que é? Eu quem, inseto? Entra Bira.
      O Bira sempre veio aqui. Nem sem onde o conheci, mas vem aqui, acho que antes de mim. Tão sequelado que acho que nem percebeu que o dono do apartamento mudou. Avoado, vive viajando, brisando com cadeiras e coco de cachorro. Cadê o Chico? Chicooo, vem menino! Vem, vem.
      Ganhei o Chico no ano passado, de uma menina namorada escrota. Ele foi e é melhor que ela. Menina desgraçada. Me fodeu e me deixou só, nessa merda de apartamento. Sujo. Ele é pequenino, o cãozinho. Pelos curtos e marrons e brancos. Ontem ele vomitou mais que eu, hoje.
      O Bira inventou de dar amendoim pro coitado. Bira! Pega mais cerveja lá.
      E ai, Malu? Puta que pariu. A Malu sempre veio aqui também, mas antes ia na minha outra casa, e não aqui. Sempre junta de mim. Vivia cantando com sua voz de lua cheia. Mas anda rouca e doente, sempre.
      O jogo acabou.
      Antes da ressaca, da água quente, da geladeira velha, do conhaque, do blues, do bar, teve outro dia ruim, igualzinho este.