terça-feira, agosto 31

haikai amor

ouço um vento,
corre à mim, e me sequestra.
é amor.

sou mais que você

eu sou o preto e o branco da memória,
as dádivas dos teus pensares que vagam por outros ares;

te atento os olhos
para meus dizeres
e te furto dos sonhos nos quais se perde.

sou tua razão,
e teu ser.


o cheiro que você esquece em mil becos,
becos bêbados, sujos e verdes.
a roupa que deixa em palcos maltratado,
por teu duro drama de viver,
pelo seu pisar de pedra.

sou teu medo,
e teu corpo.

as vontades sem controle
que te estremecem os olhos
e fazem lágrimas em suas infinitas faces.

segunda-feira, agosto 30

levai as almas para o fogo do inferno

consiste numa perambulante metamorfose,
numa cor de sol e dois fundos olhares.

recheada da arte,
e da ave que te caminha as costas;

do gostoso querer e curioso sorrir
se faz o gesto mais singelo.
que em sua tez aflora a paixão
e o gozar de felicidade.


muda aflição do olhar,
que gera nenhuma palavra
senão os desejos meus,
que tanto atormentam e tremem a paz que te consola.

é o bater das asas,
e o queimar do nome
que me arrebenta os deveres,
que me cuida quando preciso,
e me esquenta.

sábado, agosto 28

linha,
que caminharei sobre,
rogo-te para assim continuar,
sem surtos ou abalos.
livre de sedes de insanidade
e paupérrimas indecisões.

não pisarei à frente
antes do tempo que tenho,
mas podemos amar
na luz da vontade,
no colher dos sorrisos.

quarta-feira, agosto 25

saber é pura luz

saberá a vida, negar o que passa?

amamentar falsos falecidos anagramas
seria mera opção de devaneios tolos.
pura rouquidão do intelecto balbucioso.

saberá a vida, negar o que passa?

apedrejar o ar não leva a lugar nenhum
se teus punhos se cerram junto da dor,
calhando o saber da divina podridão.

saberá a vida, negar o que passa?

são palhaços

quero de novo seus dois pedaços de noite
fitando vagamente meu tímido andar.
quero o cheiro, as curvas, o riso.

quero matar a vontade
de ser menos oblíquo.

preciso de discos novos

não me esqueci do velho samba,
que outrora me invadia a cara,
e como vento bagunçava meu cabelo.

não desejei mal nenhum,
e nenhum mal tentei cometer,
contudo, e mais um pouco, o disco arranhou,
e agora não há como eu consertar.

terça-feira, agosto 24

feche com força

abra a mão
e assim a ternura lhe toca a pele,
lhe dá um pouco de maciez
e te abre pro amor.

sinta o chão
e no fim, feche a mão.
guarde o macio em sua tez
e sinta,
sinta você mesmo.
mergulhe teus olhos para o outro lado,
para o outro lado de seu corpo
e se veja por inteira.

nunca abra a mão.

cinco versos para sentir saudade

a saudade sabe apertar o peito;
amarga a alma quando de sepulcro se faz,
e ao mesmo tempo,
pode florir um sorriso de amor se sua essência
for a mais pura gratidão.

pode rasgar as pétalas da flor mais predileta,
destruindo abraços e apelos.
pode deixar em pó um mero beijo,
e fazer sãs atitudes se virarem em vermelho sangue,
em uma alma vazia, perdida.

pode, também, trocar os míudos da indecisão.
pode aumentar o amor de um simples olhar,
e tornar vivo o sentimento que falta,
o corpo que falta.

torna vivo o presente que não existe,
teletransporta ao lado mais próximo
queridos lábios ou risadas.

e faz,
como maestro impecável,
gotas escorrerem ao longo da face.
consegue reger,
nota a nota, a solidão.

tu és o vazio que enche meu quarto

eu vejo uma nova sentença,
uma nova crença ao meu lado.
crianças cafonas que pairam no parque,
dizendo, com sotaque de amor, à lua,
que esta deveria roubá-los.

são dois.
como um só.
colados.
e o amor estica junto de suas peles
se não estão pertos. mas não arrenbenta, não estoura.
não admite a solidão.

na minha solidão,
faco-te o escuro e o vazio.
te materializo
a partir do que não está presente,
a partir da falta de carne.
e pego tua mão,
e não solto.

segunda-feira, agosto 23

nove haikais para voar

voar é ir mais além das vontades,
é perder de vista o amor querido
e dançar em outros palcos.

fui para floresta, atrás de lenha

vejo só de tengente
pássaro maior que eu voando para longe.
se conformando com o presente doído.

hoje foi um dia sofrido,
doído no vermelho do sentimento
amargo de saudade.

quero ser herege
e morrer como bruxa,
para ter o fogo me abraçando,
me sentindo gritar,
me alisando o corpo.

domingo, agosto 22

continuo aqui até que seja assim

até que meus ouvidos sequem,
que minha pele esgote
que meus olhos cansem
e
que minhas mãos doam.

estarei colado à tinta.

sábado, agosto 21

não chores, mãe

é como não saber mais nada, às vezes:
esse choque que destrói teu e meu sorriso.

é soco na cara e um tapa na sua.
e nos matamos por um pouco de lágrima.

apesar dos pesares,
não apaga o amor e nem mancha o carinho,
mas por alguns minutos deixa tudo escuro.

sexta-feira, agosto 20

a vida é de palavras

volta teu verbo à carne,
o faça membro de tua sede.
arraste-o pelos olhos
através de toda tua mais favorita sala.

toque todas tuas notas,
e o faça seguimento de tua melodia,
de teus sentimentos.

quinta-feira, agosto 19

vá, ó, grande fluente

corre,
         enquanto teus filhos vão te singrando,
         enquanto teus assassinos te robam as crias.

foge,
        até encontrar com o azul grandioso,
        até poder se misturar com mil outras vidas.

meus óculos quebraram

minha vista entorta em mil formas
e vejo avante um mundo diferente,

vejo por minhas esféricas portas
que atrás de hoje
fica só a essência,
só o rastro.

me incomoda um pouco
- acordar pro real - mas
não os vejo concertados
num breve futuro.

prefiro doer a visão
a não saber onde vou bem ao certo.

quarta-feira, agosto 18

espero o momento

não quero a ilusão
lhe tocando a feição,
pintando-lhe a cara de rubra vergonha.

lhe deixando sem norte;
deixando teu leve desfilar, tímido.

exprimindo à mim
gaguejadas palavras,
difíceis expressões apaixonadas.

te deixo livre.
você é quem sabe a hora certa.

haikai saudoso

um eco sábio da vida,
anda ao meu lado.
gosto de chamá-lo de saudade

olhe pelo olho mágico e verás

um momento estático ao vento.
parado e pairando em pedaço de papel.

que tradz mil olhos e sóis exatos em tuas cores.

reprimie milhares de segundos
que sobrevoam lentes e complicações mentais.

um momento fúnebre
ou singelo sorriso,
imprimidos e reprimidos
em poucos centímetros
de cores e precisão

haikai do tiroteio

levei um tiro.
me furou os olhos da paixão
e tirou de mim a vista leve.

na quadrada dos sonhos

eu queria a porta aberta.
queria a vida leve e janela aberta.
queira voar e bordar com o meu nariz

e deixei minha vida por um triz,
quando meus sonhos se tornaram realidade.

olhe bem na caixa de correio

me sento,
para escrever história de velha e criança.
história de amor entre a poesia e fogo puro

passo horas tentando fotografar em papel
todos singulares ápices de rebelde amor.
só risco do roteiro meus deslizes joviais
e teu rancor idoso,
tuas asas que colhem o ódio da impulsividade que te roda.

[espero que o mesmo seja feito no inferno,
uso água para apagar nossa desgraça, nossa.
e não para meu desejo ímpar,
não para meu próprio sorriso].

escolho um belo pacote,
florido de paixões e versos escritos em quatro luas,
e recheio este de sinceridade e saudade.

segunda-feira, agosto 16

sinto-te chegar

me virei quando vi som entrando pelo quarto
junto de um característico cheiro seu de dias atrás.

junto de um caminhar ímpar,
dum sorriso novo,
de vergonhas
e medos.

estava com frio.
colhi sua cabeça entre meus braços
e te afaguei até o sono vir junto.

vejo meu corpo voando longe

hoje acordei com meu balde intelectual meio desvairado,
solentemente desviado para alguns lados de solidão preto e branca.

um canto, como foto, cheia de momentos imprimidos numa destilada árvore.

vi meus pés me guiarem por entre cores desconhecidas,
e por entre arrependimentos que meus ouvidos jamais escutaram.
me puxavam forte como vento de chuva,
como maré quando meus deuses se rebelam.

senti meus ventos irem de encontro com os da maré,
e estes, mais fortes, me empurraram para outro desvio.

porém, no mesmo curso,
continuei singrando,
e estou acolá até agora.
só ficou meu cheiro.

floral haikai número dois

aqui em casa,
no meu sóbrio jardim,
há flores que falam. pensam e refletem.

insólito poema

não quero o rancor
lhe vazando pelas palavras;
lhe corroendo as mil peles
e infinitas cores que tens.

disse para voar, sim.
mas pedi pelo bem,
pedi para que o futuro que corria à nós
não nos cortasse penas e amores.

disse, sim, rude.
mas não quero o orgulho te atordoando as ventas.

não sou covarde,
sou pequena ave,
lecionada por uma outra maior,
de penacho colorido e esfumaçado.

quero que fiquem os voos longos,
as caçadas pela liberdade.

quarta-feira, agosto 11

tu és filha do solo falido

joga-te junto de tua mente absorta
ao lixo.
seja areia como teus sonhos de apêndices!

há algumas horas no dia
nas quais é belo o fato feneçer beirando a embriaguês.
há algumas horas no dia
nas quais o belo se curva frente ao feio

- e não digas que minto,
se não estaria afundada em tua própria hipocrisia banal,
pois, filha deste aterro, tu já és há tempos.
és a carne própria do mátire que és o chão.

testemunha dessa breve imundice que tenho,
mas que reina sobre vossa tez.

palavras repetidamente já ditas

são teus nomes,
que aqui dedico.
são por eles que afinco
minhas soberbas mentes no pairar do vendaval.

e no ar,
permaneço atento.
permanece teus ventos
e tuas majestosas ventas.

permaneço atento,
pois, dos que me vem,
seu cheiro é mal que não me atenta o lado ruim.

terça-feira, agosto 10

és amor, uma flor

nós flores, vos somos peso, ó, dado à vida única,
causamos aos teus periféricos uma inibida felicidade,
que escondem por pura fragilidade.

se desabrochamos no lugar correto,
somos dignas de transparecer o mais leve dos amores,
dentre todos que são desejados.

somo teus,
se quiserem

somos vocês mesmos,
se amarem à nós.

 [somos versos
de mãos dadas com a paixão].

amor de caminhão

há uma sombra aqui.
uma sombra, o amor.

cafona e risonho.

digo sombra, pois é privado à nós,
solamente nosso.

és da señora do inferno
e do filho da madre poesia.

nos pega em breu vermelho
e fotografa-nos o beijo.

és cafona e capota todos os versos ditos.

um sonho

coloquei meu olhos nos devidos lugares e, de fato,
sequei a àgua me escorria à face.

sonhos, nos quais calhavam o azul sentimento,
me sorriram a cara:

andei
sedento
por luz
e leveza,
e encontrei o que estremecia minhas vontades.

o achei
num bom sorriso, de leveza ímpar
e sábia paixão.

um pacote lunar

aceite a lua,
que de coração te dou.
aceite-a como aceitou à mim.
a tenha como quando sente frio
e me pede como lenha;
a tenha como quando sente calor
e me pede como frescor.

aceite-a de olhos cheios.
como me cabe quando sinto em mim
teu mel prazer.
aceite-a pois.

o luar me traz um pouco de orgulho,
e por hoje, é seu.

[quando a lua morrer,
espere que é porque o sol está vindo
te alumiar também,
iluminar teus amores] .

segunda-feira, agosto 9

[AUSENTE, ATÉ FLUIR NOVAMENTE]
(deve durar só um ou três dias de transtorno)

me dê um título

um ou dois mais versos,
parcos por natureza,
me calçaram hoje.

enfiaram meu corpo
em teus membros,
me apertaram em seus ventres.

me viro em carga pesada para suas letras,
me transformo em pequenos traços,
e curvas negras.
me transformo em sua própria forma,
em seus componentes literários.

fatiam meu corpo,
e viro estrofes de meu próprio poema.
e não sou um de amor.

canção para ver

versos rápidos,
belezas de paixão
que anoitecem a folha,
tomam conta do viver matutino.

maravilhas próprias
de viver, que somente
enaltecem a alma e envelhesse a cor.

caminhos a serem
pisados e desenhados,
montanhas de letras
e águas leves de amontoados de palavras
me chegam à cabeça, por hora
e enchem a cama de saber.

sexta noite

é como um teste,
que me abandona no princípio do clímax
e se junta após o gozo.
me confabula e estremece as idéias.
me faz bem.

e
de
repente
cai o chão,
junto de folhas e roupas.
como quase morte, apaga.
é intenso o frio
altamente vermelho.

reconstruo o piso e as árvores.

haikai do brilho

meus olhos brilham,
são verdades que me chegam.
espero que assim seja continuado.

pedra branca

estou, talvez
com as mãos geladas,
duras de pensar.

vejo que é.

é, pois, me sinto pedra.

é, pois, vejo.

é o que vejo,
que me gela o ser.
há, o que realemente se destina?
o que nos dá de amar
e nos ama quando sabemos dar?

há quem diga
as verdejantes verdades e não é glorificado
e

grosas de sujos burros,
abonados de sorrisos e paixão.

há uma guerra

há uma guerra
em mim.
uma batalha de sentidos,
de todos meus barões internos.

há uma guerra,
enfim.
em todos os cantos
há janelas se fechando,
há pedras e cabeças voando.

há uma guerra,
sem fim.
e ajusto neus olhos
para ver certo meus inimigos,
sinto medo de perder.
sinto medo em mim.

segue uma anotação que consta em meu moleskine nº 4

Acho que concretizar meus pensamentos
em textos e escritos, está ficando um tanto quanto
complicado.
Fica, cada vez mais, difícil arrancar de mim as idéias.
estou um pouco [ou muito] repetitivo. Massante.

sexta-feira, agosto 6

haikai fundido

flores e peles,
quando se encontram é poder.
e podendo elas fundem o sentimento de viver.

quinta-feira, agosto 5

canção para a verdade

a verdade é mais que a palavra dita,
é leveza impressa na tua essência
com tinta dura das nuvens,
cinza do céu.

é a feria que custa a abrir.
é difícil e burocrático ser verdadeiro.
é a mais pura melodia que pode transparecer
à teus gostos.

a verdade,
a mesma que te encolhe à pó,
é a que te leva ao sol.
é a mesma que te guia por entre
bosques de ferro,
por selvas de sangrento mistério.
é seu ópio, e o cheiro das palavras.

são belos, os beijos teus

são bicos de mel,
no doce da boca que te fazem tão assim.
são todos os melados,
todos os beijos, que te dão o dom da vontade.

se não forem por estes,
me entrego ao mar e vou pra lá.
se não forem estes,
teus belos motivos,
corro pra longe e não te vejo mais.

loja de doces

sou nada,
sempre serei esse pouco,
não posso desejar ser mais
à parte disso, sou sonho de todos do mundo


filhos do meu quarto,
de meu próprio quarto que ninguém ousa saber qual é
(e se soubessem, o de importante eu seria?)
dais para suas sabedorias, cruzadas constantemente por pessoas estranhas,
para um sonho inacessível a todos que te rodam .

[pardon à pessoa - senti comichar minhas vontades por ti.]

tem abelhas no meu banheiro

talvez idéias versadas
estejam se tornando repetitivas, batidas.
clichês de meu próprio abandono.

disso eu realmente tenho medo,
de que elas partam de minha cabeça
e pousem sobre outros lugares, outros intelectos.

queria que me transportassem por anos,
por tempo que caber à luz me vigiar,
por lugares que caber ao pé me levar,
por frases que caber à mão escrever.

sei, pois, que posso ser mero reflexo,
rápido e passageiro, que expira num piscar dos cílios
que evapora na mesma rapidez com a qual vieram esses versos.
sei que esse pode ser o úlitmo degrau, que minha idéia há de pisar.

quarta-feira, agosto 4

haikai do abandono

ouço passos,
ao longe, ouço que estão vindo à mim.
quando chegarem, talvez por medo, eu não esteja aqui.

juntas, as virgens terras

as terras estão voando novamente.
elas passaram por aqui e acolá, dizendo frases infinitas.

cheias de sabor e palavriado complicado,
confundindo todas as mentes que pisavam.

- foi ai, que uma delas, me olhando, resolveu
colocar virgulas em sua vida.
transviar seus passos em capítulos.

resolveu descer à nós.


já no caminho, deparou-se com o anil gigante.
com o mostruoso amor, que tem por nome céu.

mostrei à ela mil aconchegos,
dezenas de beijos,
grosas de amor
e centenas de seres oblíquos na vida.

dei à ela sabedoria de ser,
de perceber o que lhe é confortável,
de conseguir vestir a palavra certa.

vejo na luz de seus olhos a arte do sentimento

corro, se não te faço jovial novamente,
se não consigo apagar os anos, corra.

fuja, já que não criamos essa máquina do tempo,
que nos apaga das diferenças e nos coloca
no estado verossímil que é a paixão.

congele teus seres interiores durante algumas primaveras
e se deixe florir quando meus frutos amadurecerem.

espere, e ganhe o sol do próximo ano,
espere que a lua vem e te pega,
prum passeio vermelho, inundado de cores e dissonâncias.
repleto de caminhos grandiosos.
de amores calorosos,
de diversas estâncias,
de pequenas distâncias.

crie um enxame de traços e versos,
sorrisos cobertos, cobertos de abraços e mais sorrisos,
e risos magistrais.

cante sua dança num palco vizinho,
para que eu possa escutar nítido.
mostre suas belas penas em seu vôo vital.

digo, convicto, que espero o sol nascer de novo,
e espero a terra girar por mais longas primaveras.
e peço que não voe para longe, durante esta gestação sentimental.

houveram dias de negro mar

houveram flores nas quais os tolos se apoiavam,
faziam-nas cama para seus desagrados, colo para seus consolos tolos.
houveram flores nas quais os tolos se gabavam de amor,
faziam-nas beijo para seus lábios, e dorso para seus desejos tolos.
hoveram flores.

houve dia, no qual fui tolo, ao ponto de ver de perto a floração antiga,
fiz das minhas lâmpadas, florescas divagações.
houve dia, quando pequei sob a constelação,
que nada me vinha de agrado, nada me abraçava ternamente,
tudo que tocava, me repelia como sangue à boca,
me cremava como cadáver passado,
tudo que me chegava era de horror, era de tensão.
eram crianças moribundas, dúbias na essência, sangrentas.
me cortavam todos os sentidos com um olhar cinzento,
com uma só palavra.

há, agora, dia, no qual me falo sobre outras primaveras.
falo só, sobre toda minha vã soturnidade,
sobre o sangue que já me escorrera no rosto,
sobre o amor que deixei divagar sobre os negros pântanos da desgraça,
minha alma velha suplica para que esses dias reinem sobre mim,
que façam de mim seu leito e tapete, seu caminho real,
que faça de meus versos, suas asas;
de meu olhos, suas mãos, para alcançar o corte da noite.
de meus sentidos, suas palavras,
tomara que os peguem pela raiz e levem para outros sóis.

terça-feira, agosto 3

sou outono

vou deixar
o sonho navegar por onde for.

plantar e colher seus condimentos,
crescer às suas próprias custas.

rir sozinho do seu próprio veneno.
rir sozinho de sua própria lua.

vou deixar,
o sonho.

vou acordar,
no outono,
floriando o vento e meus membros,
em meu eu,
em meus olhos.

e, vou, depois do cair das flores,
dormir novamente,
e ganhar minhas sementes.

medievalesco

ouvi os cavalos da rua,
que entraram compassados com a música,
em meu quarto.

vieram com mensagens molhadas de sangue,
mensagens de morte,
de despedida

- Adeus, ó, Cavaleiro.
vá-te com pena no lombo.

mas saiba que teus mortos,
te caçam.

cabelos curtos

vermelho de sol soturno,
que anda e vaga por pensamentos...
sinto-te aqui por completo,
vejo-te como rima de poema!
- sim, você cabe como tal.

uma rima riquissima,
um fino prato,
um forte perfume de calor.

sinto, pois,
seu êxtase termal
onde minha boca seca
e meus pés adormecem.

quando me sinto como pena,
quando me sinto digno.

desenho em seu apse,
meus versos sinceros,
que desde o princípio
te acompanharam por entre corredores transviados.

quando escuto o voar do beijo,
me choro as entranhas
e os internos pesares.

e eu ouviria qualquer coisa,
de seus lindos lábios,
ouviria a morte,
ouviria a vontade e a tristeza.
ouviria a saudade.

auto retrato completo

me vejo como sombra,
numa nuvem de fossas rurais,
onde trai meus queridos
e acidentei meus sentimentos

uma fogueira loira,
flamejante fênix,
onde guardei meus bens
e acabei por ter de esquecer,
acabei por expôr a carne viva à chama

culpado dos horrores,
dos sorrisos,
dos amores, das canções,
culpado por apagar o claro da soturnidade.

me sinto como a lenha
que é base da tortura quente,
minimizando, reduzindo os sonhos à cinzas cheiros.

me ouço gritar socorro
pelas ventas,
me sinto vento forte,
me toco com vergonha
e decepção

faço tudo isso,
pois sou filho da maldita carne,
vazio e mal rebocado.
pois ando ao lado dos demônios,
atrás da visão de paixão que tenho de minhas melhores.

segunda-feira, agosto 2

solidez noturna

boa noite,
tome-a como amiga.

deleite-se das estrelas que voam sobre ti.

tome-a como antiga,
antiga coberta, antiga história de criança.

saboreie teus sonhos,
pois sonhar é o melhor a se fazer agora.

tome-a como cantiga,
serena melodia de outras danças,
sem a dúbia incerteza de que esta irá acabar.

boa noite, ó, coagulante fervor,
boa noite para você,
carregue a noite em vosso ventre.
ela te pertence como o vermelho é para o amor,
como os lábios são para o beijo,

e não tema o bom dia de amanhã,
pois ele te trará seus sonhos
e te deixará livre, e solta.,
com o nacer lunar.

vi em frente, um belo nascer de frutos e flores

creio que foi pela manhã de penumbra,
onde eu andava de cabeça erguida,
e cigarro aceso.

acredito que sim.
e foi quando o apaguei
que fitei no além aquela doce melodia.

fazia imensos verões que não a sentia.
caminhou até meus ouvidos, lentamente
e arrombou bruscamente com sua leveza
meus pensamentos,
e guardou para si minhas próprias notas,
meus próprios versos.

quero que ela espere a primavera próxima,
e floreça em mim,
antes de ir embora,
para outros risos, e antes
de brotar em outras tantas a leveza que me deu.

tinta

ando por meus traços,
- digo, os do papel, dos incansáveis desenhos.
suas curvas finas e negras são abismos para mim.

curvas onde o, sempre presente, olho medieval
me acompanha numa fixação ortodoxal.
como se meu caminho fosse pro outro lado,
como se meus pés fossem mal guiados.

acredito que ele seja o tal medo,
a tal solidão.

sempre me fitando e em corroendo.

a cada gota negra,
sai de mim um pouco do céu noturno,
um pouco dos uivos e  das pequenas multilações.

tomara que minha caneta não cesse nunca.

misterioso sabor

o que é? que não alcanço quando me dilato todo?
que corre de meus ventos,
suga todo o caminho e se sopra pra outros amores!


poderia ser essa solidão que me encharca a cara,
que me embebeda as pupilas.

poderia, também, ser o escuro.
                                a dor.
                                o vazio.
                                a falta.
                                o horror.
                                a saudade.
                                o medo
                                a maldade.
poderia, qualquer um destes.
todos eles, meus condimentos,
matéria prima.

o tempo é mercúrio cromo

agora, voe livre. pinte o céu com teu vinho.
alimente outras crianças literárias,
pois tenho a verdade de que estas
serão enternamente gratas.

serão gatos em cima dum muro,
atrás de tubarões céticos,
correndo por leite,
levando seus passos à seus sonhos.

agora, peço perdão. cerrei teus olhos
e corri de teu seio, de teu leito.
deixei deitada a ave celeste,
com sua aura de mil cores,
com sua fumaça que fora, em mim, algema.
que me prendeu fortemente.
larguei fervendo seus olhos cegos.
comi de teu corpo e deixei no prato, tua essência cinzenta.
mas tenho a verdade de que não fora culpa minha.

apaguei a última chama;
abandonei a ave,
mas tenho a verdade, a mais pura das verdades,
de que ao menos uma pena, e um bocado de cinza estão registrados
em meus olhos,
absorvidos pelos meus sentidos.