segunda-feira, agosto 2

solidez noturna

boa noite,
tome-a como amiga.

deleite-se das estrelas que voam sobre ti.

tome-a como antiga,
antiga coberta, antiga história de criança.

saboreie teus sonhos,
pois sonhar é o melhor a se fazer agora.

tome-a como cantiga,
serena melodia de outras danças,
sem a dúbia incerteza de que esta irá acabar.

boa noite, ó, coagulante fervor,
boa noite para você,
carregue a noite em vosso ventre.
ela te pertence como o vermelho é para o amor,
como os lábios são para o beijo,

e não tema o bom dia de amanhã,
pois ele te trará seus sonhos
e te deixará livre, e solta.,
com o nacer lunar.

vi em frente, um belo nascer de frutos e flores

creio que foi pela manhã de penumbra,
onde eu andava de cabeça erguida,
e cigarro aceso.

acredito que sim.
e foi quando o apaguei
que fitei no além aquela doce melodia.

fazia imensos verões que não a sentia.
caminhou até meus ouvidos, lentamente
e arrombou bruscamente com sua leveza
meus pensamentos,
e guardou para si minhas próprias notas,
meus próprios versos.

quero que ela espere a primavera próxima,
e floreça em mim,
antes de ir embora,
para outros risos, e antes
de brotar em outras tantas a leveza que me deu.

tinta

ando por meus traços,
- digo, os do papel, dos incansáveis desenhos.
suas curvas finas e negras são abismos para mim.

curvas onde o, sempre presente, olho medieval
me acompanha numa fixação ortodoxal.
como se meu caminho fosse pro outro lado,
como se meus pés fossem mal guiados.

acredito que ele seja o tal medo,
a tal solidão.

sempre me fitando e em corroendo.

a cada gota negra,
sai de mim um pouco do céu noturno,
um pouco dos uivos e  das pequenas multilações.

tomara que minha caneta não cesse nunca.

misterioso sabor

o que é? que não alcanço quando me dilato todo?
que corre de meus ventos,
suga todo o caminho e se sopra pra outros amores!


poderia ser essa solidão que me encharca a cara,
que me embebeda as pupilas.

poderia, também, ser o escuro.
                                a dor.
                                o vazio.
                                a falta.
                                o horror.
                                a saudade.
                                o medo
                                a maldade.
poderia, qualquer um destes.
todos eles, meus condimentos,
matéria prima.

o tempo é mercúrio cromo

agora, voe livre. pinte o céu com teu vinho.
alimente outras crianças literárias,
pois tenho a verdade de que estas
serão enternamente gratas.

serão gatos em cima dum muro,
atrás de tubarões céticos,
correndo por leite,
levando seus passos à seus sonhos.

agora, peço perdão. cerrei teus olhos
e corri de teu seio, de teu leito.
deixei deitada a ave celeste,
com sua aura de mil cores,
com sua fumaça que fora, em mim, algema.
que me prendeu fortemente.
larguei fervendo seus olhos cegos.
comi de teu corpo e deixei no prato, tua essência cinzenta.
mas tenho a verdade de que não fora culpa minha.

apaguei a última chama;
abandonei a ave,
mas tenho a verdade, a mais pura das verdades,
de que ao menos uma pena, e um bocado de cinza estão registrados
em meus olhos,
absorvidos pelos meus sentidos.