quarta-feira, agosto 4

haikai do abandono

ouço passos,
ao longe, ouço que estão vindo à mim.
quando chegarem, talvez por medo, eu não esteja aqui.

juntas, as virgens terras

as terras estão voando novamente.
elas passaram por aqui e acolá, dizendo frases infinitas.

cheias de sabor e palavriado complicado,
confundindo todas as mentes que pisavam.

- foi ai, que uma delas, me olhando, resolveu
colocar virgulas em sua vida.
transviar seus passos em capítulos.

resolveu descer à nós.


já no caminho, deparou-se com o anil gigante.
com o mostruoso amor, que tem por nome céu.

mostrei à ela mil aconchegos,
dezenas de beijos,
grosas de amor
e centenas de seres oblíquos na vida.

dei à ela sabedoria de ser,
de perceber o que lhe é confortável,
de conseguir vestir a palavra certa.

vejo na luz de seus olhos a arte do sentimento

corro, se não te faço jovial novamente,
se não consigo apagar os anos, corra.

fuja, já que não criamos essa máquina do tempo,
que nos apaga das diferenças e nos coloca
no estado verossímil que é a paixão.

congele teus seres interiores durante algumas primaveras
e se deixe florir quando meus frutos amadurecerem.

espere, e ganhe o sol do próximo ano,
espere que a lua vem e te pega,
prum passeio vermelho, inundado de cores e dissonâncias.
repleto de caminhos grandiosos.
de amores calorosos,
de diversas estâncias,
de pequenas distâncias.

crie um enxame de traços e versos,
sorrisos cobertos, cobertos de abraços e mais sorrisos,
e risos magistrais.

cante sua dança num palco vizinho,
para que eu possa escutar nítido.
mostre suas belas penas em seu vôo vital.

digo, convicto, que espero o sol nascer de novo,
e espero a terra girar por mais longas primaveras.
e peço que não voe para longe, durante esta gestação sentimental.

houveram dias de negro mar

houveram flores nas quais os tolos se apoiavam,
faziam-nas cama para seus desagrados, colo para seus consolos tolos.
houveram flores nas quais os tolos se gabavam de amor,
faziam-nas beijo para seus lábios, e dorso para seus desejos tolos.
hoveram flores.

houve dia, no qual fui tolo, ao ponto de ver de perto a floração antiga,
fiz das minhas lâmpadas, florescas divagações.
houve dia, quando pequei sob a constelação,
que nada me vinha de agrado, nada me abraçava ternamente,
tudo que tocava, me repelia como sangue à boca,
me cremava como cadáver passado,
tudo que me chegava era de horror, era de tensão.
eram crianças moribundas, dúbias na essência, sangrentas.
me cortavam todos os sentidos com um olhar cinzento,
com uma só palavra.

há, agora, dia, no qual me falo sobre outras primaveras.
falo só, sobre toda minha vã soturnidade,
sobre o sangue que já me escorrera no rosto,
sobre o amor que deixei divagar sobre os negros pântanos da desgraça,
minha alma velha suplica para que esses dias reinem sobre mim,
que façam de mim seu leito e tapete, seu caminho real,
que faça de meus versos, suas asas;
de meu olhos, suas mãos, para alcançar o corte da noite.
de meus sentidos, suas palavras,
tomara que os peguem pela raiz e levem para outros sóis.

terça-feira, agosto 3

sou outono

vou deixar
o sonho navegar por onde for.

plantar e colher seus condimentos,
crescer às suas próprias custas.

rir sozinho do seu próprio veneno.
rir sozinho de sua própria lua.

vou deixar,
o sonho.

vou acordar,
no outono,
floriando o vento e meus membros,
em meu eu,
em meus olhos.

e, vou, depois do cair das flores,
dormir novamente,
e ganhar minhas sementes.

medievalesco

ouvi os cavalos da rua,
que entraram compassados com a música,
em meu quarto.

vieram com mensagens molhadas de sangue,
mensagens de morte,
de despedida

- Adeus, ó, Cavaleiro.
vá-te com pena no lombo.

mas saiba que teus mortos,
te caçam.

cabelos curtos

vermelho de sol soturno,
que anda e vaga por pensamentos...
sinto-te aqui por completo,
vejo-te como rima de poema!
- sim, você cabe como tal.

uma rima riquissima,
um fino prato,
um forte perfume de calor.

sinto, pois,
seu êxtase termal
onde minha boca seca
e meus pés adormecem.

quando me sinto como pena,
quando me sinto digno.

desenho em seu apse,
meus versos sinceros,
que desde o princípio
te acompanharam por entre corredores transviados.

quando escuto o voar do beijo,
me choro as entranhas
e os internos pesares.

e eu ouviria qualquer coisa,
de seus lindos lábios,
ouviria a morte,
ouviria a vontade e a tristeza.
ouviria a saudade.

auto retrato completo

me vejo como sombra,
numa nuvem de fossas rurais,
onde trai meus queridos
e acidentei meus sentimentos

uma fogueira loira,
flamejante fênix,
onde guardei meus bens
e acabei por ter de esquecer,
acabei por expôr a carne viva à chama

culpado dos horrores,
dos sorrisos,
dos amores, das canções,
culpado por apagar o claro da soturnidade.

me sinto como a lenha
que é base da tortura quente,
minimizando, reduzindo os sonhos à cinzas cheiros.

me ouço gritar socorro
pelas ventas,
me sinto vento forte,
me toco com vergonha
e decepção

faço tudo isso,
pois sou filho da maldita carne,
vazio e mal rebocado.
pois ando ao lado dos demônios,
atrás da visão de paixão que tenho de minhas melhores.

segunda-feira, agosto 2

solidez noturna

boa noite,
tome-a como amiga.

deleite-se das estrelas que voam sobre ti.

tome-a como antiga,
antiga coberta, antiga história de criança.

saboreie teus sonhos,
pois sonhar é o melhor a se fazer agora.

tome-a como cantiga,
serena melodia de outras danças,
sem a dúbia incerteza de que esta irá acabar.

boa noite, ó, coagulante fervor,
boa noite para você,
carregue a noite em vosso ventre.
ela te pertence como o vermelho é para o amor,
como os lábios são para o beijo,

e não tema o bom dia de amanhã,
pois ele te trará seus sonhos
e te deixará livre, e solta.,
com o nacer lunar.

vi em frente, um belo nascer de frutos e flores

creio que foi pela manhã de penumbra,
onde eu andava de cabeça erguida,
e cigarro aceso.

acredito que sim.
e foi quando o apaguei
que fitei no além aquela doce melodia.

fazia imensos verões que não a sentia.
caminhou até meus ouvidos, lentamente
e arrombou bruscamente com sua leveza
meus pensamentos,
e guardou para si minhas próprias notas,
meus próprios versos.

quero que ela espere a primavera próxima,
e floreça em mim,
antes de ir embora,
para outros risos, e antes
de brotar em outras tantas a leveza que me deu.